sábado, 7 de julho de 2012

A Família Aguiar - capitulo 5


Mais tarde naquela noite, Lua foi até a cozinha, onde Arthur rabiscava numa folha de papel, seus pensamentos girando em torno dele num vórtice.
Abaixou a caneta e olhou para Lua. Ela havia trocado de roupa, e agora vestia uma calça de moletom e uma camiseta bem larga. Arthur desejou que, ao menos, Lua tivesse o bom senso de usar um sutiã. Podia acompanhar o contorno vago dos seios e o ligeiro eriçar daqueles mamilos sensíveis.
— Miguel ainda está dormindo? — perguntou Arthur.
— Completamente apagado.
— Acho que ele teve um dia cheio.
— Miguel nunca esteve com muita gente. Na estrada, tínhamos que ser cautelosos. Nunca sabíamos em quem confiar. — Lua suspirou. — Talvez, por isso, Miguel seja tão sociável.
— É fácil gostar daquele.
— É mesmo.
E Arthur ficara com ciúmes porque o menino se adaptara muito bem a Paco.
No forno de microondas, Lua preparou uma xícara de leite morno para si. Nas longas noites de inverno, costumava cozinhar no fogão de ferro, algo que sempre fascinara Arthur. Ele havia comprado a antigüidade só porque combinava com o estilo da casa. Na verdade, nunca tivera a intenção de usar aquele velho utensílio.
— Quer ir lá para fora? — convidou Arthur. — Talvez sentar na varanda por um tempo?
— Claro. — Levou o leite consigo, assoprando a borda da xícara.
Uma brisa leve soprava, instigando os aromas da noite. Arthur amava Texas Hill Country — os penhascos pontiagudos, as cavernas secretas, as rochas e a água que dominavam a terra.
A família de Lua se mudara para Hill Country quando ela estava na quarta série. Naquela época, Arthur era um rebelde da sexta série, que se atirara em direção ao seu irmão, outro rebelde da sexta série, mas que já havia feito metade das coisas que Arthur apenas imaginava.
Como fumar.
Droga, estava louco por um cigarro. Arthur fumava do mesmo jeito que algumas pessoas faziam dieta. Uma ocasião ou outra, aqui e ali. Mas estava decidido a parar de uma vez por todas.

Especialmente, desde que soubera que a mãe de Miguel tinha morrido de câncer de pulmão, mesmo não sendo fumante. De algum modo, aquela injustiça lhe parecera de extremo mau gosto.
— Eu havia entendido que nós não poderíamos conversar inocentemente pela casa, não depois de sair à noite. — Arthur sabia que a casa poderia ser grampeada enquanto estivessem fora.
— Farei outra varredura amanhã.
Arthur aquiesceu com a cabeça, percebendo o quanto aquilo tudo devia ser exaustivo para Lua.
— Tem algum assunto em especial que você queira discutir? — indagou Lua.
— Acho que deveríamos transformar a sala onde guardo as minhas velharias em um quarto de criança — confidenciou Arthur, deixando escapar finalmente a idéia que havia acalentado durante metade da noite.
Lua arregalou os olhos.
— Você acha mesmo?

— Acho, quer dizer, é uma estupidez manter um quarto extra atravancado com lixo. — E a reação de Miguel, quando o menino vislumbrou o quarto de Brendan, havia despedaçado seu coração. Tudo o que Miguel possuía era um berço portátil e uma cadeira alta, de segunda mão. — Talvez pudéssemos estampar alguns motivos infantis nas paredes. E arrumar móveis decentes. Um baú de brinquedos. E alguns brinquedos para colocar dentro dele, óbvio.
— Thur, eu não tenho muito dinheiro sobrando. Usei toda a herança para ajudar Mica.
— Eu sei disso. — Contemplou os galhos das árvores que balançavam violentamente. — Pagarei pela reforma do quarto e tudo mais. E quando for embora, poderá levar todas as coisas com você.
— Obrigada. — A voz de Lua falhou, e Arthur pôde perceber que ela estava feliz e triste ao mesmo tempo.
— Quem tomou o meu lugar? — quis saber Lua.
A pergunta chacoalhou no cérebro de Arthur. O lugar dela, onde? No coração dele? Na sua cama?
— O que você está querendo dizer?
— No rancho. Quem você contratou como coordenador de eventos?
— Ninguém. — Ninguém havia tomado a posição dela, em lugar nenhum, inclusive no trabalho. — Eu mesmo assumi o posto, mas Chef Gerard e seu assistente me ajudaram bastante.
Lua tomou pequenos goles do leite.
— Então, será que você se importaria caso eu me envolvesse com o rancho novamente? Preciso de um emprego. Não posso esperar que você sustente a mim e a Miguel enquanto estivermos aqui.
Deveria deixar que ela assumisse a posição por uns tempos? Afinal, estava completamente atolado em outras tarefas.
— Mas o que você vai fazer quanto a Miguel?
— Posso levá-lo para o trabalho comigo sempre que possível. E quando não puder, trabalharei em casa mesmo.
— Então você já pode começar. Estamos negociando um casamento do qual espero me livrar o mais breve possível. Você deve saber como é. A noiva é um tremendo pé-no-saco, muda de idéia a cada dois segundos. Até Chef Gerard está perdendo a paciência.
— Para mim está ótimo. Adoro coordenar casamentos. Ajudarei a noiva a tomar suas decisões.
Sim, Lua gostava muito de organizar festas de casamento. Tanto que usara uma falsa convenção de noivas como desculpa para ir à Califórnia.
E agora estava de volta, 18 meses depois, com o filho de Mica.
— Você pensou em mentir para mim antes? Dizer que Miguel era meu filho?


Dulce se sobressaltou.
— O quê? Oh, Deus, não.
Arthur a surpreendera com a abrupta mudança de tópico, não se importava nem um pouco.
— Tem certeza?
Lua encarou seu olhar perscrutador.
— Tenho.
— Eu tinha que perguntar isso — ponderou Arthur. — Precisava saber.
— Você se sentiria diferente em relação a Miguel se ele fosse seu filho?
— Eu teria mais o que considerar.
Lua alisou uma mecha dos cabelos envoltos pelo luar, e então Arthur reparou o quanto as mãos da moça tremiam.
— Você teria casado comigo se Miguel fosse seu filho?
Pigarreou, para limpar a garganta. A boca se tornara inacreditavelmente seca.
— Teria.
— Mesmo contra a vontade?
— Sim. — Franziu a testa, sentindo-se como um verdadeiro hipócrita. — Você sabe como me sinto a respeito de ilegitimidade. Tio Paco também sabe o quanto isso me incomoda.
— Ele falou alguma coisa sobre isso?
— Sim, mas eu disse a ele que as coisas ainda estavam se ajeitando entre nós. Duvido que espere que anunciemos nosso noivado por enquanto.

— Mas, Paco espera que isso aconteça. Não é?
— Provavelmente, mas não há nada que possamos fazer quanto a isso.
Lua colocou as mãos trêmulas sobre o colo. Estava sentada em uma cadeira surrada pelo tempo, vestindo roupas largas, e mesmo assim continuava linda.
De repente, Arthur desejou que a criança que Dulce trouxera para casa fosse realmente sua. Que o obrigassem a se casar, a ficar com a garota e o bebê, independente de querer ou não. Mas era muito tarde para aquilo, concluiu Arthur. Tarde demais.
Lua e Arthur passaram a quinta fazendo compras para o quarto de Miguel.
— Este lugar é imenso — comentou ele, enquanto passeavam pelas fileiras intermináveis. — É como um depósito gigante.
— É mesmo. — Porém, a loja lhe fora altamente recomendada, percebeu Lua. Paco e Julianne compraram todos os móveis do filho na Baby Bônus. — Há muito para ver.
Arthur empurrava Miguel no carrinho, parando às vezes para observar a criança se agitando no assento.
— Como ele vai nos ajudar a escolher? Ele mal pode avistar alguma coisa dessa engenhoca.
Lua balançou a cabeça negativamente.
— Duvido que Miguel saiba o que quer. — Afinal, quantos modelos de berço um bebê de 10 meses poderia preferir?
— Claro que ele pode. — Arthur se curvou e tirou a criança do carrinho. — Aqui, assim está melhor. — Balançou o menino, fazendo Miguel soltar uma gostosa gargalhada. — Viu? Ele está feliz agora.
— O que você acha deste? — Arthur carregara o bebê até um vistoso conjunto azul e amarelo, deixando Lua cuidar do carrinho vazio.

Miguel nem reagiu. Estava entretido brincando com o bordado rústico na camisa de Christopher. Então, o bebê descobriu o brinco cintilando através da cabeleira do seu novo pai. Lua lhe dera a pequenina argola de prata retorcida por ocasião do seu 21° aniversário. Junto com um relógio que Arthur ainda usava, e uma noite de amor que quase o levara à loucura.
— Que tal este outro? — Apontava para um conjunto de carvalho, todo decorado com pequenos cowboys entalhados. — Combina com minha casa.
A imaginação de Lua flutuou para rosas adocicadas e champanhe, para a cama de quatro colunas no quarto de Arthur. A comemoração do aniversário de 21 anos de Lua fora tão erótica quanto a dele. As coisas que Arthur fizera com ela, o jeito com que usou sua boca, sua língua, seu...
— Uau! — Arthur rodopiou o menino. — Isto é exatamente o que você precisa. Veja só, parceiro, é um pônei.
A cabeça de Miguel ricocheteou para o alto.
— Pa... pa... pa.
— Isso mesmo, um cavalo de balanço.
Balançou Miguel no cavalo, e o bebê agitava os braços para cima. Não era grande o suficiente para se balançar sozinho, mas Arthur o ajudava.
Miguel guinchava e gargalhava, e Lua agarrou aquelas covinhas para um beijo. Ainda podia se lembrar do dia em que ele nascera, o dia em que escorregou para os seus braços ansiosos, a cabecinha negra e os pequenos membros descarnados.
Arthur sorriu novamente.
— Temos que comprar este. E o berço com a penteadeira de carvalho também. — Levantou Miguel do cavalo de mola. — Eu disse que ele escolheria o que quisesse. — Deu uma palmadinha leve no traseiro acolchoado pela fralda. — Devíamos procurar algumas figuras de carrossel para o quarto dele. Alguns pôneis das cores do arco-íris ou algo parecido. —  Arthur hesitou e então prosseguiu, com uma expressão de curiosidade: — Ou tudo isto é muito feminino?

— Ah, não se preocupe. Meninos também gostam de carrossel.
— É, imagino que os meninos gostem. — Satisfeito, balançou o pequeno Miguel. — Precisamos comprar uma gaiola nova também.
— Gaiola?
— Cercadinho — retificou. — O maior que eles possam fabricar. Devem estar por aqui em algum lugar. Não é, parceiro?
Miguel olhava para o cavalo de balanço que ficara para trás.
— Pa... pa... pa.
— Sim. Aquele pônei será seu. — Arthur dirigiu-se para Lua. — O pessoal do rancho tem perguntado sobre ele... sobre nosso filho.
— Eles têm mesmo?
— Também perguntaram por você. — Pigarreou para polir a garganta, a rouquidão que deixava sua voz mais grave. — Eu disse que você vai voltar ao trabalho em breve.
Lua pretendia retomar seu emprego na segunda, levar Miguel ao antigo escritório, explicar a razão da sua ausência a quem fosse suficientemente ousado para se intrometer.
— Você está preocupado com isso? Sobre os funcionários nos virem juntos? E fazer fofocas pelas nossas costas?
— Já estão fofocando.

Colocou Miguel de volta no carrinho, e assim que a criança gemeu e se debateu, em protesto contra aquele súbito aprisionamento, Arthur sacou um chocalho em forma de pato da bolsa de fraldas. O pato voou direto para o chão. Pacientemente, Arthur pegou o brinquedo e fez uma nova tentativa, desta vez com um jogo de chaves de plástico. Como aquilo também não funcionou, recorreu à mamadeira. Enfim se ergueu, encarando Lua.
— Estou tentando me aclimatar. Me acostumar a tudo isso. Mas não é fácil.
Lua ouvia os sons de Miguel sugando a mamadeira, vibrando os lábios com força e chutando o ar com os pezinhos.
— Você está fazendo um ótimo trabalho.
— Sério? — Arthur ainda tinha as chaves de plástico na mão. — Você acha mesmo que Miguel vai gostar tanto de mim quanto gostou do meu tio?
— Eu acho que ele já gosta.
— Na outra noite não pareceu.
— É porque você está mais à vontade com ele agora.
Arthur deu de ombros, mas sorriu de leve.

— Parece que sim. Mas eu não vou trocar nenhuma fralda fedorenta.
Lua riu, satisfeita que ele estivesse mergulhando no papel de pai de Miguel, fazendo o melhor que podia para parecer paternal, para conquistar a afeição da criança.
— Obrigada — Lua disse, mais uma vez.
— Pelo quê? Por comprar alguns móveis infantis? Não foi nenhuma grande coisa.
Mas era, pensou Lua. Qualquer esforço para ajudar Miguel era importante.
Enquanto procuravam a ala dos cercadinhos, Arthur parou no meio de um corredor.
— Você já entrou em contato com o tal especialista em comunicações?
Lua sabia que mencionava o amigo de Mica.
— Já. — Havia ligado para ele de um telefone público na cidade, sentindo como se ainda estivesse fugindo, esquivando-se de estranhos e vigiando por cima dos seus ombros. — Ele vai checar as linhas na próxima semana.
— E por que ele está demorando tanto?

— Ele não mora nesta área. Não conseguiria chegar aqui antes disso.
— Acha mesmo que os telefones estão grampeados?
— Provavelmente. Não consigo conceber que a Mafia simplesmente tenha deixado toda essa história seguir seu rumo.
Pensativo, Arthur revirava as chaves gigantes.
— Talvez devêssemos encenar uma ligação falsa, e dar àqueles bastardos intrometidos alguma coisa que valesse a pena ouvir. Alguma coisa realmente quente e pesada. Algo que ardesse nos seus ouvidos.
O queixo de Lua quase despencou.
— Você espera que eu fique gemendo e arfando no telefone para você? E sabendo que os mafiosos estão na outra linha?
Arthur exultava.
— Imagine só as caras que eles não fariam quando ouvissem a fita. Todos aqueles barulhinhos que você faz com a respiração.
A última coisa que Lua gostaria de imaginar era um monte de gângsteres comedores de sushi, reunidos em volta da piscina de Enrique Halloway para ouvi-la resfolegar.
— Você apenas quer ter seu ego insuflado.
Arthur se aproximou da garota, batendo no seu ombro com um sorriso demoníaco.
— Não é bem o meu ego que você estaria insuflando, querida. Oh, por favor. Admita. Você adora a idéia de me deixar excitado. De me deixar completamente maluco.
Será? Bem, talvez só um pouquinho.
Está bem, gostava muito, mas aquilo era irrelevante.

— Outras pessoas fazem isso — continuou Arthur. — Julianne sentiu-se solitária uma noite e ligou para Paco. Claro que isso aconteceu faz tempo. Antes de se casarem.
Chocada, Lua arregalou os olhos.
— E como você soube?
— Ora, Paco me contou.
— E por que ele contaria uma coisa dessas?
— Porque eu acabara de mencionar o quanto estava curioso sobre aqueles serviços de telesexo. E ele meio que riu, e então disse que...
— Você realmente pensou em pagar a alguém para dizer coisas sujas para você? — Lua ficou perplexa, olhando para Arthur, imaginando o que se passara com ele enquanto esteve fora.
— Suponhamos que a Máfia ouvisse isso. Achariam que sou um pervertido, hein?
Ferida e com ciúmes, Lua se afastou dele.
— Mas você é.
— É mesmo? Bem, adivinhe só. Ligarei para você amanhã. Direto do meu escritório. — Seu olhar parecia aguçado, sombrio e letal. — Quando você estiver seminua. E ainda deitada.

Na tarde seguinte, Arthur chegou em casa e encontrou Lua de quatro, cavando na terra. Extravasando a frustração sexual, esperava ele. Soltando fumaça por causa da ligação que Arthur não fizera.
Esquivou-se pelas costas da moça.
— Eu trouxe o almoço para você.
Lua se voltou para a sua direção, fuzilando Arthur com os olhos. Seu jeans estava completamente manchado, e os cabelos estavam repuxados para trás, em um rabo-de-cavalo desalinhado. Sua pele já brilhava devido ao sol forte.
— Não tenho fome.
Arthur ergueu a bolsa de papel.
— É quebabe de camarão. Recém-saído da grelha do Chef Gerard. — Sabia que Lua enlouquecia com as refeições que o gourmet preparava no rancho. — E também tem torta de banana com creme.
Torceu o nariz.
— Estou plantando minha horta.
Arthur se dirigiu para o bebê. Miguel estava sentado na sombra, dentro do seu novo cercadinho, divertindo-se com bolas, blocos e brinquedos de apertar.
— Olá, parceiro.
O menino olhou para cima e sorriu.
— O que foi que você disse? Você quer provar o almoço da mamãe? Aposto que você vai gostar da torta. — Ignorando Lua, Arthur abriu o saco e retirou a sobremesa.
O menino aceitou o bocado, gananciosamente, engoliu e cantarolou — Um... um... um — antes de abrir a boca novamente para outro pedaço.
Arthur serviu uma nova porção, e depois uma terceira.


— E, então — perguntou a Lua —, o que levou você a decidir plantar uma horta?
— Você sabe muito bem que faço isso toda primavera.
— Mas você só vai ficar dois meses. Parece desperdício de tempo para mim.
Indômita, espantou uma abelha, abanando a mão convenientemente protegida por uma luva. As abelhas sempre se apinhavam em volta dos cabelos dela, atraídas pela cor. Como Arthur.
— É alface e abóbora. Terei todo o tempo de colher antes de partir.
— Você está tentando se manter ocupada. Tentando bloquear sua mente de qualquer pensamento a respeito de falar coisas sujas para mim.
— Você está sonhando.
— Sim, claro. Você está morrendo de raiva porque eu não liguei.
— Claro que não. — Lua ficou de pé, observando enquanto Arthur dava a torta para Miguel.
Arthur deu uma olhadela marota para a moça, e comeu um pedaço de torta, só para deixá-la ainda mais irritada.
— Está com raiva, sim.
— Está bem, talvez esteja mesmo. E por que não? — Espantou de novo aquela abelha insistente, sem se preocupar com o ferrão. — Você me deixou esperando. Passei a manhã inteira aborrecida. Aguardando que você tentasse ligar até que eu atendesse.
No entanto, ele não ligou mesmo. E, de algum jeito, isso só piorara as coisas. Uma rejeição, Arthur supôs.
— Eu não estava falando sério sobre deixar a Máfia escutar.
— Ah, estava sim.
— Está bem, talvez estivesse mesmo — retorquiu Arthur, arremedando a frase com a qual Lua, desdenhosamente, admitira a verdade. — Você não pode me culpar. Estou cansado de ser o namorado abandonado. O panaca que ficou aqui esperando você voltar.
— Não esperou.
— Você está insinuando que eu fiz sexo com outras mulheres?
— Se não fez, pelo menos pensou.
— Ora, mas claro que pensei. Você passou 18 meses fora. Um ano e meio — enfatizou ele, chafurdando na torta outra vez.
Lua arrancou as luvas.
— Eu não pensei em dormir com outros homens.
Ótimo. Agora ela iria derramar uma tonelada de culpa sobre ele.
— E como eu poderia saber disso? Você sumiu. Desapareceu. Nenhuma ligação. Nem um "Vejo você mais tarde, amigão".
Miguel reclamou e Arthur percebeu que ele estava esperando mais uma porção, outra colherada como as que encheram sua própria boca.
— Desculpe, parceiro. Lua bufou.
— Se Miguel ficar hiperativo por causa de todo esse açúcar, vou fazer você ficar acordado com ele a noite toda.
— Como se eu não tivesse nada mais para fazer. — Ir até o bar mais próximo, por exemplo, pensou Arthur. Afogar sua solidão com cerveja. — Eu devia ter transado. Devia ter encontrado uma nova amante. E relaxado um pouco.
A voz de Lua enregelou, frígida e cortante.
— E por que não fez nada disso?
— Porque sentia saudades de você. Você. — Ele quase rosnou. Sua obsessão. A loira que não saía do seu pensamento. — E eu também não queria lidar com um monte de porcaria sentimental com mais ninguém. — Quando você leva uma mulher para a cama, ela pensa que é sua dona, refletiu. Ou então começa a pensar em você como sua propriedade, definhando por causa dela dia e noite, do mesmo jeito como sofrera por Lua. — Mulheres são um pé-no-saco.
Lua ajeitou o rabo-de-cavalo desgrenhado, cravando aqueles deslumbrantes olhos castanhos em Arthur. Sua blusa farfalhava com o sopro suave da brisa, ajustando o tecido leve de algodão contra o corpo.
— Sentiu tanto assim minha falta?
— Acabei de dizer que senti, não foi? — Uma confissão extremamente tola da qual desejou se retratar.
O olhar de Lua não desistiu. Ela não piscou nem desviou de Arthur sequer por um segundo.
— Então, o que foi que você fez?
— A respeito de quê?
— Sexo.
Arthur vislumbrava os seios dela, os mamilos rijos despontando sob a blusa, e depois amaldiçoou a si mesmo por reparar, por se importar.
Que diabos Lua pensava que ele fizera? Que entrara para um mosteiro?
— Eu ficava bêbado e assistia a filmes pornô — atirou de volta.
Lua engasgou.
— Você não fez isso.
— Ah, mas fiz mesmo. — A reação puritana de Lua o fez sorrir, especialmente depois de todos os jogos eróticos que costumavam fazer um para o outro. — Eu possuo uma coleção de filmes adultos que deixariam você de cabelo em pé.
— Oh
, credo. — Miss Inocência simplesmente sentou e o encarou.

Arthur ria, sacudindo o saco de quebabes com desdém.
— Coma o seu camarão, mocinha. E mais tarde passo um filminho para você.
Agarrou o saco de papel, e o menino gargalhava.
— Você é horrível, Arthur.
— E você ainda está louca porque eu não liguei.
— Pode ser. — Lua fez o espeto deslizar, sugando um camarão e esperando ter deixado claro que, em algum lugar bem lá no fundo, ela também era terrivelmente cruel.

Um comentário:

  1. Por favor, posta mais e não deixa de postar. Não fica mais de dias sem postar, como da ultima vez. To apegadíssima a essa web. Bjs

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